"(...) -Como eu gosto de você?

Eu gosto de você do jeito que você se gosta".

O Mundo no Engenho... e o ENGENHO do Mundo

sábado, 26 de junho de 2010

Estigmas do feminino: construções e representações da mulher sob a óptica do Cientificismo do Séc. XVIII.

As cabeças expostas de "Lampião", "Maria Bonita ( nº3) e companheiros, no Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, Bahia, conforme descrição de R. Prata. 



“A mulher
Mulher que monstro és tu, tremendo, horrível!
Cobra, víbora, hiena ardida, fera!
Cavilosa e falaz como a pantera!
Como te chamam anjo? Isto é possível?
(...).”

Jornal República, 1891(1)

“De todos os seres do mundo que têm alma e espírito, nós mulheres somos as criaturas mais infelizes. Devemos antes de tudo, com dispêndio de dinheiro, comprar o marido dando um patrão a nossa pessoa...”

 Medéia – Eurípedes (2)


A craniologia e a frenologia (3) fundadas aproximadamente na metade do século XVIII, tiveram em seus seguidores a pretensão de querer explicar as chamadas degenerescências, delinqüências e tendências “natas” de assassinos, por meio da medição da caixa craniana de homens e mulheres - de "raças" variadas - considerados "normais" ou "anormais", comparativamente.

Esses homens partiram do pressuposto de que sendo o cérebro a sede do pensamento e do sentimento(4), estaria nele as respostas para os "desvios" e para a “genialidade”. Iniciaram, a partir daí, um espetáculo que seria, se não fosse tão tétrico – um filme de terror cômico -, de caça aos cérebros.

O médico criminologista, Cesare Lombroso, elaborou várias teorias a respeito das características físicas(5) e psíquicas daqueles que poderíamos enquadrar como um criminoso “nato”. A justificativa era proveniente de determinadas conformações ósseas e traços físicos por meio dos quais poderiam ser identificados, segundo ele, as deficiências no processo de evolução cerebral(6).

Em 1895, Lombroso escreveu uma tese que tratava só sobre as mulheres, intitulada A Mulher Criminosa e a Prostituta, com a colaboração do professor Ferrero. Do Ponto de vista biológico, para Lombroso, a fêmea nas espécies inferiores dominavam os machos, o que se invertia à medida em que as espécies se aperfeiçoavam, até atingir uma evidente superioridade do macho, na espécie humana. Do Ponto de vista psíquico, a mulher “normal” seria cruel por gosto de vingança, instintiva e inimigas entre si. Seu ciúme congênito, sua mentira estimulada pela fraqueza, pela menstruação, pelo atavismo, etc. Elas estariam próximas aos caracteres da criança e do selvagem. Sendo que a loucura moral permanente na criança é sufocada pela piedade e pela maternidade na mulher(7). O gênio cruel e diabólico do sexo feminino só poderia – conforme Lombroso e seguidores -, ser redimido por seu instinto materno...

No Brasil, Tito Lívio de Castro escreveu em sua obra A mulher e a Sociogenia:


"A mulher pouco precisou do cérebro, pouco serviu-se dele, por isso não se desenvolveu cerebralmente. A biologia nos ensina o mecanismo das atrofias por inação"(8).


Dentro desse raciocínio pautado claramente no Darwinismo social (modelo epidêmico transplantado das Ciências Naturais para as Humanas), a mulher deveria a sua existência ou sobrevivência ao homem, dado como mais hábil e desenvolvido cerebralmente por sua e só sua ação sobre o meio ambiente: o mundo pertence aos mais aptos, afinal, os demais, morrem ou lhes devem obediência...

Numa época em que se renegava veementemente os princípios religiosos e que Eva parecia deixar de ser parte da costela de Adão, o cientificismo enveredou-se por trilhas semelhantes às das religiões, no tocante aos preconceitos e teorias estigmatizantes, colocando a mulher como um ser inferior ao homem, simplesmente por atrofia.

Outro exemplo nos é relatado por Emma Goldman, quando ela questionou um médico a respeito do uso de contraceptivos, recebeu a seguinte resposta:

"Quando as mulheres usarem mais o seu cérebro, seu aparelho reprodutor funcionará menos"(9).


Este desprezo para com a inteligência da mulher, dita como instintiva e pouco racional, diferente do homem agente dominador da Natureza e criador da Cultura, faz por apagar ou desconsiderar todo o sistema de relações sociais, econômicas e políticas aos quais homens e mulheres estão inseridos, atribuindo-se somente à elas, de maneira maniqueísta, a culpa da gravidez e mesmo, das desigualdades sociais, quando pobres.

A História nas sociedades ocidentais nos mostra que homens e mulheres foram convocados para conter os seus impulsos, interiorizando modelos convencionais de comportamento à sociedade. Primeiro os meninos, sob a disciplina imposta nos colégios e escolas militares, depois as meninas, quando o sexo da mulher passou a adquirir importância médico-social quanto à maternidade e o aleitamento (10).

E no século XVIII, com todas as suas efervescentes doutrinas, vimos florescer na França a vigilância sobre a família da elite européia, que se estenderia lentamente, também sobre as classes populares.

As mães da elite foram chamadas pelos médicos e pelo Estado a cumprir os seus papéis e cuidar de suas crianças tirando-as da má influência das nutrizes pagas, portadoras de maus modos. As senhoras ricas deveriam seguir uma série de preceitos médicos, dentre eles, tomar para si o dever da amamentação de seus filhos. A teoria dos fluidos defendia que os maus hábitos poderiam ser transmitidos pelas nutrizes através da amamentação.

A Ligação orgânica entre o médico e a família promoveu a mãe ao reconhecimento social, destacou-a por sua função educativa, única capaz de conter as influências negativas da criadagem impondo o seu poder sobre a criança(11). Quanto ao Estado, a promoção tornou-se utilitária a partir do instante em que a manutenção da classe burguesa exigiu uma preocupação maior com os "desvios", que geravam o empobrecimento da nação e o enfraquecimento da elite (12).

Explicou Donzelot (13), que ao lado da família - apoiada pelos médicos e pelo Estado - a polícia passou a fiscalizar as práticas de sedução e os desvios de padrão. Ao mesmo tempo em que os tratados de direito se esforçaram em codificá-los, a própria família foi codificada num modelo ideal, com bases nítidas patrimoniais. Conciliou-se os interesses das famílias burguesas quanto ao patrimônio, os interesses do Estado, quanto a preservação da elite dirigente e da nação. A moralização dos comportamentos significava nesse contexto a paz entre as famílias e a força do Estado sobre os “restos” inevitáveis desse regime familiar.

A conjuntura descrita foi propícia para o desenvolvimento do Cientificismo. As teorias que se proliferavam procuravam explicar tudo o que parecia estar fora do padrão conveniente e, as políticas encontraram nelas, um respaldo falso / científico para a normatização e codificação. Porém, não nos enganemos. O discurso até agora foi em torno da criança urbana rica. Logo, ele seria transposto à mãe das camadas mais pobres, em tom diferente.

A extensão desse controle médico decorreu de políticas assistencialistas e paternalistas advindas do Estado e com o apóio das classes patronais, porém à medida em que foram mostrando-se dispendiosas para o Estado e desvantajosas para a elite, outra estratégia foi montada: os casamentos entre as classes populares foram incentivados, através de campanhas ( Sociedade de Casamento Civil, Obra de Casamentos Indigentes, Secretaria do Povo, Secretaria das Famílias...), o dote (14) foi abolido, substituído e compensado pelo trabalho doméstico na habitação social emergente no séc. XIX, cuja sua subdivisão interna veio a proporcionar à esposa um espaço de conquista entre o antro e a caserna, do mesmo modo que sendo pequena o suficiente para que nenhum estranho pudesse nela ficar, fosse grande para que os pais ficassem separados dos filhos podendo vigiá-los e controlá-los, sem que com isso fossem vistos em suas intimidades(15).

Assim:

"(...)Se o homem preferir o exterior, as luzes do cabaré, se as crianças preferirem a rua, seu espetáculo e suas promiscuidades, será culpa da esposa e da mãe"(16).


Domesticada as mulheres das classes superiores e postas como modelo exemplar de mulher - praticante da moral e dos bons costumes - seriam elas o espelho ideal: boas esposas boas mães boas filhas... Se as mulheres se redimiam de sua inferioridade psíquica e biológica por meio da piedade e da maternidade, como afirmava Lombroso, elas já possuíam o seu grau a mais, na escala do status. Restava às “outras”, imitá-las quando as oportunidades se faziam. E qual importância não dariam ao deixarem de se enquadrar no dualismo de há muito - prostituta x santa -, reservando uma posição no terreno verticalizado divino e, outra similar, no espaço social dos homens? O fato é que nasceu a mãe institucionalizada, controlada pela medicina, protegida pela polícia, glorificada sempre e cada vez nais pela Igreja. Todo o seu oposto seria anomalia antinatural ou, mais precisamente, um Ser desnaturalizado, de acordo com os estudos postos até aqui.


Conclusão


Quando observamos em conjunto todos esses discursos, verificamos com facilidade a inferioridade da mulher e a divisão moral que lhe foi criada estrategicamente ou não no período, dentro do próprio grupo, entre aquelas que são virgens e de “família”, futuras mães - arquétipos de Evas e Marias - e, aquelas que são prostitutas mundanas, “sem dotes maternais”- arquétipos de Liliths, Lilis, Madalenas... Além dessa divisão: a de estratos , a étnica, a estética. Todas compondo uma cultura de domínio masculino, cujas heranças e empréstimos culturais “traduzem” e recriam, os novos tipos de mulher Ideal. E vale lembrar que essa tipologia permanece em constante transformação, se (re)adaptando frente aos conflitos que emergem das relações cotidianas, cabendo às mulheres se libertarem da teia dos discursos de manipulação que se reconstroem a partir dos “ideais” de aparente Liberdade.




Notas:



1 - Pedro. Joana Maria; p.68

2 - Sicuteri. Roberto; p.106

3 - Frenologia - estudo dos traços fisionômicos com indicador das capacidades intelectuais e qualidades ou degenerescências morais.
Craniologia – estudos baseados nas medidas tomadas do crânio. Base de classificação antropológica de teorias racistas.

4 --Darmon; p. 19.

5 - Revista Feminina; p. 125

6 - ibidem.

7 - Darmon; p. 62.

8 - Tito Lívio de Castro; p. 85 .

9 - Elizabeth S. Lobo; p. 35.

10 - Foucault. Michel; p. 266.

11 - Donzelot; p. 23 - 25.

12 - ibidem, p,16.

13 - ibidem, p.18.

14 - ibidem; p. 34, 35, 38, 40, 44.

15 / 16 - ibidem; p.46



BIBLIOGRAFIA PESQUISA:


CASTRO, Tito Lívio de. Mulher e Sociogenia. Editora Francisco Alves, R.J. s/d.
CATONNÉ, Jean Philippe. A Sexualidade Ontem e Hoje. Colação Questões de    Nossa Época, Editora Cortez, SP, 1994.
DANZELOT, Jacques. A Polícia das Famílias. Editora Graal, R. J, 1986.
DARMON, Pierre. Médicos e Assassinos na Belle Epoque. Editora Paz e Terra, R. J., 1991.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Editora Graal, R. J.,1992.
LIMA, Sandra L. L. Revista Feminina - Espelho da Mulher ( 1916 - 1925 ) - Tese de Doutoramento apresentada a F.F.L.C.H / USP - depto de História, 1991.
LOBO, Elizabeth Souza. Emma Goldeman. Coleção Encanto Radical. Editora Brasiliense, S. P. 1983.
PRATA. Ranulfo. Lampião. Traço Editora, S.P., s/d.
PEDRO. Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas – uma questão de classe. UFSC, Florianópolis,1994
SICUTERI, Roberto. Lilith: A Lua Negra. Editora Paz e Terra, série Psicologia, R.
J., 1986.
**********************************************************************************


Foto: do livro de Ranulfo Prata.


As cabeças permaneceram expostas até dia 6 de fevereiro de 1969, quando foram finalmente sepultadas no cemitério da Quinta dos Lázaros, em Salvador.


Saiba mais:
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=309&textCode=6334&date=currentDate


Nina Rodrigues: Salvador, Bahia, 1862 a 1906. Legista e antropólogo criminal, um dos seguidores das teorias supra citadas, no Brasil.

domingo, 20 de junho de 2010

Quem é AMADO não morre.

 Desenho: O que brilha de novo no Céu. Fênix, 2010
Ser Amado.
Saramago.
SarAmado.


SarAmado.

Ouro das terras...
Luz na Ibéria de Reis:
Majestade não morre,
Apenas, se recolhe.


 Desenho: SARAMADO. Fênix, 2010


Ser Amado: para sempre dentro de nós, Saramago.
 Do Engenho - com Carinho.

domingo, 13 de junho de 2010

Rascunhos.

Desenho: auto-retrato, 1984.
 "A juventude é o momento de estudar a sabedoria; a velhice é o momento de praticá-la."

Rousseau (devaneios do caminhante solitário)


Desenho: "Amigos", 1991


"A amizade é como os títulos  honoríficos:
quanto mais velha, mais preciosa.

Goethe ( Poeta e dramaturgo alemão)

Desenho: May, 1987.


"Cantar é rezar duas vezes"

Bispo da Capadócia ( hoje, Turquia)

Desenho: "Ancião", 2008.

"Perdoe os seus inimigos. Mas não esqueça seus nomes".

John Kennedy ( Ex Presidente dos EUA)

Desenho: "Liberdade", 1991.


" Um homem que não chora 
tem mil razões para chorar"

Stanislaw Ponte Preta ( cronista brasileiro )



 As frases foram extraídas do livro:




 

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Até QUANDO?

  FOTO: Mércia Nakashima

Até quando teremos que conviver com a violência?
Com a impunidade presumida e garantida pelas brechas conhecidas da lei?
Até quando a mulher continuará sendo tratada como objeto e propriedade 
de homens complexados; desajustados socialmente; 
sem caráter e medíocres ? 

Inveja? Ódio pela rejeição? 

Falta de amor próprio: 
Só essa ausência precisa exterminar a presença 
de quem é tão mais forte.

A Mércia é uma...
Quantas mais já vimos e veremos?

Até quando?

Estamos de luto outra vez. Pelas crianças que continuam morrendo e sendo abusadas.
Pelas mulheres violadas e mortas por bandidos, maridos e namorados...

Não há mais palavras.
 
...Nem por todas essas pessoas que poderiam dar ao mundo uma chance de ser melhor e foram arrancadas dele, nem pelo futuro perverso que se concretiza gradativamente, 
tornando o amanhã cada vez mais tenebroso.
 

A vela não tem mais tanto pavio:  
 é signo de lágrimas, descaso e escuridão.


Para entender este caso:
http://jornale.com.br/portal/brasil/42-01-brasil/4765-corpo-encontrado-em-represa-e-de-advogada-desaparecida.html

terça-feira, 8 de junho de 2010

As várias faces do mesmo...

Desenho: "Tatuagem" - 2007 - /Fênix
 "Descobri e ainda estou perplexo... 
Eu não estudo a Vida. A VIDA, sim, é que me ESTUDA."

(A Pena Mágica e o Portal das Fantasias)


terça-feira, 1 de junho de 2010

Acerca de Anjos e homens...

Fênix - foto/montagem -2010

Os Anjos não tem alma.
Minha alma doe e não se acalma:
Logo, não sou Anjo.
Então, sou um arranjo.
Uma estrutura de Linguagem
Que convence pela imagem.
O texto proibido -
Escondido de mim mesmo...
Palavra a vagar a esmo
Nos subterrâneos da Memória,
A manchar a História
Dos infernos gelados da Terra.


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